//periodicos.ufca.edu.br/ojs/index.php/araripe/issue/feedARARIPE — REVISTA DE FILOSOFIA - 2025-11-21T15:11:13+00:00Nilo César Batista da Silvaararipe.filosofia@ufca.edu.brOpen Journal Systems<p style="text-align: justify;"><em><strong>Araripe</strong> </em>é uma revista eletrônica de filosofia ISSN 2675-6897 com publicações semestrais pelo Curso de Filosofia da Universidade Federal do Cariri - UFCA. Qualis C. O nome que deu origem ao periódico é um vocábulo do idioma <em>tupi-guarani</em>, que significa, "o lugar onde o dia começa", <em>ara</em> (dia, tempo, mundo, claridade), <em>ari</em> (começo, nascimento),<em> pe</em> (em lugar,onde). Neste sentido, a revista já surge no amanhecer desta jovem universidade como um raio de luz viva e instantânea na difusão do conhecimento filosófico para a comunidade universitária do Cariri e do Brasil, com o intuito de publicar artigos originais, estudos críticos, resenhas e traduções devidamente autorizadas pelos autores e/ou representantes legais, com introdução, comentários e notas de temas relevantes na História da Filosofia. A revista pretende reunir textos que contemplem temas de Filosofia Antiga; Filosofia Medieval; Filosofia Moderna; Filosofia Contemporânea; Filosofia em Geral. A Araripe Revista de Filosofia propõe publicar volumes em fluxo contínuo e volumes suplementares em um mesmo número, ao invés de intercalar volumes de fluxo contínuo com números temáticos (dossiês). </p> <p> </p>//periodicos.ufca.edu.br/ojs/index.php/araripe/article/view/1432Expediente2025-11-07T17:32:16+00:00Nilo César Batista Silvanilo.silva@ufca.edu.br<p>EXPEDIENTE, Volume 05, Número 01 de 2024 | ISSN: 2675-6897 | Universidade Federal do Cariri (UFCA) | Pró-Reitoria de Pesquisa, Pós-Graduação e Inovação (PRPI) | Curso de Filosofia</p> <p><strong>Editor-Chefe</strong><br>Nilo César Batista da Silva<br><strong>Editor Convidado</strong><br>João Pinheiro<br><strong>Comissão Editorial</strong><br>Nilo César Batista da Silva<br>Camila do Espírito Santo Prado de Oliveira<br>Valdetonio Pereira de Alencar<br>Maria Célia dos Santos<br>Francisco José da Silva<br>José Gladstone de Almeida Júnior<br>Conselho Científico<br>Rafael Ramón Guerrero<br>Universidade Complutense de Madrid, Espanha<br>José Meirinhos<br>Universidade do Porto, Portugal<br>Paula Oliveira e Silva<br>Universidade do Porto, Portugal<br>Gregorio Piaia<br>Università di Padova, Itália<br>Manoel Luis Cardoso de Vasconcelos<br>Universidade Federal de Pelotas<br>Juliano de Almeida Oliveira<br>Pontifícia Universidade Católica de Santa Cruz, Itália<br>Jose Maria Rosa Silva Rosa<br>Universidade Beira Interior, Covilhã, Portugal<br>Jorge Augusto da Silva Santos<br>Universidade Federal do Espírito Santo<br>Cristiane Negreiros Abbud Universidade<br>Federal do ABC<br>Cesar Candiotto<br>Pontifícia Universidade Católica do Paraná<br>Guido Imaguire<br>Universidade Federal do Rio de Janeiro<br>Jorge Luiz Viesenteiner<br>Universidade Federal do Espírito Santo<br>Matteo Raschietti<br>Universidade Federal do ABC<br>Márcio Gimenes de Paula<br>Universidade de Brasília<br>Sílvia Maria de Contaldo<br>Pontifícia Universidade Católica de Minas gerais<br>Tárik de Athayde Prata<br>Universidade Federal de Pernambuco<br>Marcos Roberto Nunes Costa<br>Universidade Federal do Pernambuco<br>Marco Aurélio Oliveira Silva<br>Universidade Federal da Bahia<br><strong>Design Editorial e Diagramação</strong><br>Lázaro Almeida Galvão<br><strong>Arte da Capa</strong><br>Alfred L. Kroeber<br><strong>Capa</strong><br>Renato Mota Arrais de Lima<br><strong>Ilustrações</strong><br>André Dias<br><strong>Revisão e Normalização</strong><br>Coordenadoria de Editoração e Apoio à Publicação (CEAP) – PRPI/UFCA</p>2025-11-07T10:53:54+00:00Copyright (c) 2025 Nilo César Batista Silva//periodicos.ufca.edu.br/ojs/index.php/araripe/article/view/1434Editorial2025-11-07T17:32:20+00:00João Pinheirojoaopinheiro@hotmail.com<p>Caros leitores, entre 15 e 17 de Julho de 2021 realizou-se o webinário ou colóquio on-line “Evolução Biocultural, Moral e Política”, reunindo especialistas brasileiros e portugueses. Alguns destes especialistas foram convidados, outros foram aceites por meio de uma chamada à contribuição com propostas de apresentação. Pelo final dos três dias de reunião, os participantes presentes concordaram em duas coisas: primeira, na criação da Sociedade de Evolução Biocultural; segunda, na publicação das atas do colóquio associadas à Sociedade. A Sociedade de Evolução Biocultural é uma organização sem fins lucrativos e com vista ao desenvolvimento de trabalho subordinado ao lato tema da evolução biocultural. As suas duas maiores funções vigentes são a coordenação dos demais investigadores que trabalham nestas áreas e a divulgação destes temas na língua portuguesa por intermédio da realização de eventos académicos. Foram também estas as motivações por detrás da organização do colóquio, que se dedicou a abordagens bioculturais aos temas da moral e política. O enfoque no tema da moral e política deveu-se não só ao seu interesse para um público mais alargado e interdisciplinar, mas ao facto de que estes temas representam bem as origens do estudo biocultural humano (por exemplo, nos trabalhos de Spencer e Darwin). Os ensaios reunidos nesta colecção correspondem a algumas das apresentações realizadas neste colóquio, que fundou a sociedade. Dados os objectivos vigentes da sociedade, contamos com a realização de colóquios futuros e expressamos a nossa intenção de publicar também as suas atas, que serão também acolhidas na Araripe – Revista de Filosofia. Com esta contextualização em mente, cabe-me ainda sublinhar os papéis de Paulo Abrantes, Lorenzo Baravalle e de Silvia di Marco: os primeiros, por terem desempenhado os papéis de ponte transatlântica para os nossos convidados brasileiros; a Silvia, pela ajuda extensa que prestou à organização do evento, sem a qual não se teria estabelecido a Sociedade. São também devidos agradecimentos aos membros do comité científico, Davide Vecchi, Mara Almeida, e, novamente, a Silvia e o Lorenzo, e também ao nosso anfitrião, o Centro de Filosofia das Ciências da Universidade de Lisboa (que desde o final de 2024 deixou de ser uma Unidade de Investigação e Desenvolvimento financiada pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia devido a questões internas à administração da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, onde estava sitiado). São também devidos agradecimentos aos demais revisores que participaram connosco, mas cujos nomes deverão permanecer anónimos. Este tempo passado desde o nosso colóquio, podemos finalmente gratificar todos os que aqui reunimos pelas suas contribuições. Com as contribuições destes especialistas aqui colecionadas pretendemos não só avançar o trabalho da área, mas introduzir um público geral mais curioso a estas novas e frutuosas áreas do conhecimento. Dado que a participação no nosso colóquio superou as nossas expectativas iniciais, cremos estar bem fomentada a necessidade de uma sociedade como a nossa, assim como de subsequentes publicações deste tipo.</p>2025-11-07T11:08:59+00:00Copyright (c) 2025 Nilo César Batista Silva//periodicos.ufca.edu.br/ojs/index.php/araripe/article/view/1436Introdução ao Dossiê Evolução Biocultural2025-11-07T17:32:23+00:00João Pinheirojoaopinheiro@hotmail.com<p>O estudo da evolução biocultural não é recente, tendo ocupado um lugar na reflexão dos demais teóricos da história ao longo de centenas de anos. Todavia, as primeiras teorias científicas a relacionar a biologia e a cultura têm pouco mais de 150 anos à data. Vale a pena enveredar por uma breve introdução histórica ao panorama científico do estudo da evolução biocultural para melhor compreendermos o enquadramento das peças incluídas nesta colectânea de ensaios.<br>Ora, como seria expectável, o contexto que congeminou a sua emergência é sumamente partilhado com aquele da emergência da teoria evolutiva, no qual se insere. No pano de fundo encontramos então até contributos do estudo da história geológica terrestre, como o uniformitarismo de James Hutton e Charles Lyell, assim como as teorias de evolução social, como a malthusiana, combinadas com o fascínio da época pelas teorias e filosofia da história, muito motivado pelas rápidas transformações culturais que marcaram a revolução industrial e que levaram à teorização de novas ideias de progresso civilizacional (sendo as mais conhecidas hoje atribuíveis ao trabalho de Karl Marx & Friederich Engels).<br>De facto, por esta altura, no trabalho de teóricos da evolução como Herbert Spencer, vingava um conceito de cultura que encontra o seu expoente na obra Cultura e Anarquia, de 1869, da autoria de Matthew Arnold. A cultura, de acordo com estes, tinha estágios. No ideário de muitos, o seu estágio mais elevado deixava-se ainda capturar pela expressão específica das artes e intelectualidade ocidentais. Este conceito, por sua vez, encontra uma crítica apta já em 1871, com a publicação de Cultura Primitiva, de Edward B. Tylor. Tylor argumentou em favor do abandono do conceito Arnoldiano de cultura e pela adopção de um conceito menos restrito e mais afim ao significado não-avaliativo em jogo na antropologia moderna, que açambarca (quase) todos os aspectos da vida social humana. <br>No início do século XIX, prosperavam então teorias científicas (e também pseudo-científicas) da história, muitas delas com vista a explicar a história natural. Estas ideias e forças motrizes do desenvolvimento social no seio da comunidade vitoriana ajudam a desmistificar o surgimento da teoria da evolução por selecção natural em meados de 1858 (nos trabalhos de Darwin, 1858, 1859; Wallace, 1858). Os pilares ancilares desta teoria tiveram uma influência profunda no estudo da biologia, e o estudo da natureza humana, claro está, não foi uma excepção. Antes do final do século já proliferavam tentativas de aplicação da teoria darwiniana ao estudo do comportamento humano, assim como outras, de matiz lamarckista, caracterizadas pela sua ênfase num mecanismo de herança de características adquiridas. Acompanhado ao desenvolvimento da antropologia e da arqueologia, à época afirmavam-se teorias como as designadas “eugénicas”, o “darwinismo social”, entre outras.<br>São conhecidas muitas tragédias que alguns teóricos ignóbeis alimentaram e tentaram justificar com base em algumas das ideias que viemos a associar a estas escolas de pensamento. Estamos agora a falar de um período negro da história do pensamento biocultural. Mas é importante salientar que, hoje em dia, quando falamos de evolução biocultural, não é tanto nas ideias associadas a este período que pensamos. A sombra deste período oculta até muita actividade relacionada com a evolução biocultural que não é igualmente meritória da nossa repudia. O trabalho de Darwin (mas não só) foi crucial para o desenvolvimento da antropologia biológica e cultural nas mãos de indivíduos como Franz Boas, Alfred Kroeber e Margaret Mead – para mencionar apenas alguns. É inclusive a Kroeber (1948) que devemos a primeira representação pictórica e metafórica da filogenia cultural, que serviu também como motivo para o logotipo da Sociedade de Evolução Biocultural e da capa deste volume. Kroeber apresentou-nos “A árvore do conhecimento do bem e do mal – isto é, da cultura humana”, uma árvore cujos diferentes ramos se interlaçam, ilustrando com isto a reticulação da evolução cultural.<br>Todavia, quando falamos de evolução biocultural, temos sobretudo em mente um conjunto de ideias que se tornaram possíveis somente com um outro período da história científica que culminou, pelo final da década de 40, já no século XX, com a chamada “Síntese Moderna” da biologia (assim denominada por Julian Huxley [1942] num livro com o mesmo nome). A Síntese Moderna corresponde à unificação da genética mendeliana e da biologia populacional sob o enquadramento teórico do mecanismo de selecção natural. A emergência deste novo “paradigma” transdisciplinar frequentemente designado de neo-darwiniano reflecte a maturação da biologia enquanto disciplina. Aliado ao progresso no estudo do desenvolvimento biológico, veio-se a entender que muitas das ideias afins ao darwinismo social e às teorias eugénicas não têm cabimento. Simultaneamente, e em larga medida devido à precisão dos modelos formais que se vinham a desenvolver, os teóricos da evolução humana aperceberam-se que muitas (ainda que não todas) das suas facetas culturais propriamente ditas careciam de uma fundamentação biológica à data.<br>De facto, foi somente no período subsequente, decorrente entre o início da década de 30 e meados de 70, que se desenvolveram os primeiros modelos formais da teoria da evolução social que vieram a reformar o estudo empírico da evolução de fenómenos do foro sociocultural (e.g., Hamilton, 1964a, 1964b; Trivers, 1971). É nestes anos que surgem as primeiras explicações formais de fenómenos que ainda hoje estão envoltos de dúvidas, de que são exemplo a evolução da coordenação e da cooperação. Consequentemente, é também nesta época que surgem as primeiras tentativas de formalizar a evolução da moral, que já à época de Darwin se pensava melhor explicar como um produto da evolução social (veja-se, a este título, o quinto capítulo d’A Descendência do Homem, de 1871). Neste contexto, importa mencionar a hipótese central da teoria darwiniana da moral, dominante desde então entre os demais cientistas da ética, segundo a qual a moral evoluiu, pelo menos parcialmente, a partir de sentimentos de simpatia/empatia ou pró-sociais que são omnipresentes entre os primatas e em muitas outras espécies. Noutras palavras, a moral evoluiu por selecção natural devido a promover a coordenação e a cooperação.<br>Estes mesmos desenvolvimentos formais despoletaram também desenvolvimentos teóricos no estudo da evolução cultural (de facto, comum àquilo que diferentes teóricos chamam de cultura existe sempre um fundamento social). Há, pois, três trabalhos que merecem especial destaque neste contexto (sem querer com isto desacreditar outras contribuições coetâneas). O ensaio de Donald T. Campbell, «Variação cega e retenção selectiva no pensamento creativo e noutros processos de conhecimento», de 1960, seguido anos mais tarde pela publicação do livro Sociobiologia: A Nova Síntese, de E.O. Wilson, em 1975, e, já em 1981, a publicação de Transmissão Cultural e Evolução, de L.L. Cavalli-Sforza e Marcus Feldman. Foi com estes ensaios que o estudo da evolução sociocultural ganhou um novo ímpeto de respeito e autonomia, tendo desde então vindo a acelerar-se progressivamente e consistentemente. Hoje em dia, os modelos de evolução social são até empregues no estudo da evolução biológica, tendo-se tornado indispensáveis para a nossa compreensão da evolução de cromossomas, das células eucarióticas, do fenómeno da multicelularidade, e dos chamados “superorganismos” (incluindo, por exemplo, algumas colónias de insectos), e ainda doutros colectivos biológicos (Okasha, 2024; cf. ainda Rainey et al., 2014). De facto, o estudo da evolução biológica tornou-se indissociável do estudo da evolução social, mas em nenhum momento se deixou de perguntar como é que a evolução social, a cultural, e a moral, se relaciona com a nossa biologia. Encontram-se muitas respostas na literatura.<br>A longa agenda de investigação acerca da evolução cultural e da sua relação com a biologia não pode ser aqui extensamente discutida. No entanto, gostaríamos de mencionar alguns dos temas chave deste campo com o intuito de contribuir para a contextualização dos ensaios que introduziremos abaixo. Neste sentido, é relevante mencionar a questão central da relação entre a transmissão cultural e a aptidão biológica. São inúmeros os exemplos de variantes culturais que são transmitidas e inclusive aumentam em representação ao longo do tempo nas populações apesar de serem, pelo menos ao nível da perspectiva individual e da aptidão biológica, estritamente mal-adaptativas (Baravalle, 2012). Muita tinta que se discorreu sobre este tema, de um modo ou doutro, prende-se com esta questão fundamental da teoria, à qual se deram várias respostas. Outro tema clássico diz respeito à natureza das unidades de evolução cultural. Contrariamente àquilo que acontece com os genes, e apesar da palavra sugestiva “meme” (Dawkins, 1976) para designar uma unidade de evolução cultural, é sabido que a maioria das expressões culturais (se não todas) não se deixam identificar por unidades discretas, facilmente individuáveis, que se multiplicam ou replicam (Abrantes, 2023). Este tema surge, por exemplo, na contribuição de Mercedes Okumura e Astolfo Araujo para esta colecção. Também o nível de fidelidade da transmissão cultural é frequentemente distinto daquele que a síntese moderna nos ensinou a esperar quando se trata de genes (Buskell, 2017). Mais concretamente, enquanto, ao nível individual, a transmissão genética tende a ser altamente fidedigna (apesar das mutações e da deriva genética), na transmissão cultural a fidelidade elevada tende a ser uma expressão da aprendizagem que emerge mais claramente ao nível de grupo, enquanto indivíduos em si são frequentemente pouco fiáveis (Boyd & Richerson, 1985). Já este tema surge no ensaio de Fábio Portela para esta colecção.<br>Para além destes tópicos que se prendem com aspectos gerais da teoria da evolução cultural, seus elos, e distinção face à teoria da evolução biológica, os investigadores têm-se perguntado acerca da capacidade dos animais não-humanos para a evolução cultural cumulativa, sobre a possibilidade de desenvolvimento de modelos filogenéticos para a tecnologia ou, mais geralmente, para a cultura, entre outras perguntas. No que toca o estudo da evolução biocultural da moral, têm sido prementes perguntas acerca das adaptações morais humanas, de que é exemplo o tribalismo e o paroquialismo das nossas disposições (Pisor & Ross, 2024), se estas podem constituir alguns desafios a propostas da filosofia política (por exemplo, ao liberalismo ou ao conservadorismo) (Buchanan & Powell, 2018); mas também perguntas acerca da relevância de modelos da evolução da cooperação (de quem são exemplo modelos da teoria do jogo evolucionária) para questões de ética de primeira ordem (e.g., McKenzie Alexander, 2007); enfim, até perguntas acerca da relevância das teorias da evolução da moral para questões de metaética (e.g., Joyce, 2006), entre muitas outras.<br>São inúmeras as tentativas de explicar e compreender evolutivamente todo o tipo de fenómenos culturais e morais do nosso quotidiano. Parte do fascínio do estudo da evolução biocultural deve-se ao seu grande potencial explanatório (todavia, veja-se Chellappoo 2022), e, em particular, do seu escopo abrangente (independentemente da questão da completude destas explicações) – a selecção natural é um “ácido universal”, como disse Daniel Dennett (1995). Recentemente, fala-se até do seu potencial de aplicação prático. Parafraseando Joseph Henrich (2024, p. 129), é inevitável que, no processo de pensar as políticas públicas e desenvolvimento, adoptemos determinados pressupostos acerca da natureza humana, ainda que o possamos fazer tacitamente e sem dar conta. Mas tanto quanto a teoria da evolução cultural nos permite melhor compreender a natureza humana, é expectável que ela nos permita analisar, criticar, e contribuir também positivamente para revelar esses pressupostos. Mas há também um interesse crescente no enquadramento teórico das políticas publicas no seio da teoria de evolução cultural com a promessa de que esta teoria poderá ultrapassar alguns desafios inerentes às abordagens comportamentais mais clássicas (Schimmelpfennig & Muthukrishna, 2023; e.g., Hodgson & Knudsen, 2010, Henrich et al., 2012; Wilson et al.; 2023).<br>Por fim, gostaria de terminar este enquadramento histórico com uma breve nota terminológica relativa ao porquê de evolução “biocultural” ao invés de “cultural” ou “biossocial”, que são talvez até mais utilizados. Ora, a decisão prende-se unicamente com o fito de reflectir interesses e ênfases específicas, compreendendo-se melhor por contraste com outros termos que se encontram na literatura. Assim, evitámos o termo “sociobiologia”, pelo qual E.O. Wilson designou o “estudo sistemático da base biológica de todo o comportamento social” (1975, p. 4), mas também os termos “ecologia comportamental” (e.g., Borgerhoff Mulder, 1991), afim a uma etologia adaptacionista, e ainda o termo “psicologia evolutiva” (e.g., Cosmides & Tooby, 1987) e os termos “teoria da dupla herança” e “coevolução gene-cultura” (e.g., Richerson & Boyd 2005) devido às suas associações com abordagens específicas (vide Laland & Brown, 2011; Driscoll, 2022). Mas é verdade que todos estes termos reflectem interdependências entre a cultura e a biologia, captando parte das temáticas que nos interessam. Alguns destes termos pecam por excluir abordagens que não partilham o mesmo enquadramento formal e teórico, sobretudo reflexões de âmbito mais generalista ou englobantes. Interessa-nos, pois, não nos restringir aos aspectos propriamente genéticos da biologia, mas deixar espaço para uma ênfase sobre os aspectos não-genéticos, incluindo aqui aspectos chave do desenvolvimento e da ecologia. De resto, o termo “biocultural” deixa claro um interesse por aspectos sociais que mais comummente designamos por cultura, ainda que não queiramos excluir os contributos das teorias da evolução social para além do estudo da cultura cumulativa. Com este termo, os assuntos humanos tornam-se centrais, mas não descuramos a possibilidade da evolução cultural e até mesmo cumulativa em espécies não-humanas .</p> <p><br>AS CONTRIBUIÇÕES PARA ESTE DOSSIÊ</p> <p>Os sete ensaios que se seguem contribuem com reflexões originais para o estudo da evolução biocultural. Pelo menos cinco deles debruçam-se explicitamente sobre debates acerca da moral e da política, que serviram de tema principal para o primeiro encontro da Sociedade de Evolução Biocultural, pelas razões acima mencionadas. Mas apesar de alguma confluência nos temas específicos das contribuições, é importante realçar que os contribuidores são eles próprios provenientes de diferentes disciplinas. Esta situação é não só expectável como epistemicamente desejável dada a natureza heterogénea dos fenómenos que se reúnem sob a alçada deste título abrangente. Neste sentido, gostaria de invocar as palavras de André Levy & Vítor C. Almada, que bem capturaram a natureza interdisciplinar do estudo da evolução biocultural, assim como a índole controversa de muitos trabalhos que poderemos esperar numa colecção deste tipo:</p> <p>(U)m problema que limita os nossos esforços para articular abordagens biológicas e sociais resulta de pesadas limitações, que cada investigador frequentemente ignora, sobre aspectos básicos das outras disciplinas, um fosso particularmente profundo entre investigadores das ciências humanas e naturais. Acresce que o grau de maturação de diferentes áreas de estudo é normalmente muito desigual, de modo que o sonho de um saber interdisciplinar que flui harmoniosamente do diálogo entre áreas de investigação é uma utopia. Mais uma vez, a solução não está em grandes visões doutrinárias e que se pretendem universais e acabadas, mas numa dinâmica de sínteses que se tornam obsoletas pouco depois de nascerem, de confrontos de pontos de vista, de uma dialéctica constante com os seus inevitáveis mal-entendidos, raciocínios abusivos, todos os ingredientes que dão vida à história dos conhecimentos e das sociedades (2015, p. 234).</p> <p>O que une então os nossos autores é o facto de eles se encontrarem no estudo da natureza humana, tanto quanto este pode ser unificado ou, pelo menos, e mais modestamente, orientado ou integrado sob a tutela da teoria da selecção natural ou, de um modo ainda mais abrangente, sob a tutela da teoria evolutiva (que não é necessariamente darwiniana). A evolução é, pois, o tecido transdisciplinar que mantém juntas as contribuições para esta colectânea. Sem mais demoras, passo então a introduzir os diferentes artigos pela sua ordem de publicação.<br>Em «Além da Biologia: Teoria Evolutiva aplicada a Arqueologia e estudos de cultura material», Mercedes Okumura & Astolfo G. M. Araujo demonstram como a teoria evolutiva pode permear as demais ciências humanas, combinando a Arqueologia Evolutiva (conforme entendida pelo arqueólogo Robert Dunnell) e a teoria da transmissão cultural com vista a explicar os registos arqueológicos do Brasil no início do Holoceno, sendo a primeira vez que uma explicação deste tipo é aplicada ao leste da América do Sul. Este ensaio afigura-se assim como uma importante contribuição para o enquadramento do panorama arqueológico brasileiro no seio da teoria evolutiva. Conforme Okumura & Araujo argumentam, uma avaliação das várias hipóteses correntemente encontradas na literatura permite concluir que a melhor explicação para a preservação da variedade de grupos culturais demarcáveis a partir do registro arqueológico é dada pelas vantagens advindas da prevalência de mecanismos de transmissão culturais ditos conformistas e que vão para além da função imediata das ferramentas produzidas.<br>O ensaio de Rodrigo de Sá-Nogueira Saraiva é um exímio exemplo da integração de uma arqueologia da mente e de uma antropologia evolutiva e cognitiva. O autor pergunta-se, «A que corresponde, processual e evolutivamente, a ética?». A sua resposta passa por adoptar, operacionalmente, uma definição de ética bastante abrangente – a ética enquanto uma regra de conduta interpessoal e intracomunitária. Para explicar a nossa capacidade para pensar eticamente, de Sá-Nogueira Saraiva identifica vários mecanismos cognitivos que aparentam ser necessários a uma “gramática moral” (e quiçá, inclusive, conjuntamente suficientes). É com esta lista de mecanismos em mente que ele percorre então a arqueologia, do Olduvaico ao Paleolítico Superior, em procura de indícios que nos permitam explicar a sua história evolutiva no género humano. Por fim, o autor dedica-se a uma reflexão acerca de um tema corrente da literatura acerca da evolução da psicologia moral humana, nomeadamente as suas expressões ditas tribalistas (tão familiares em contextos de crescente polaridade política). Ele dá conta de várias características afins a todos os grupos humanos, de que são exemplo uma certa tendência para o conformismo, a detecção e punição de infractores, e emoções como a culpa e a vergonha, que alia depois a explicações evolutivas em termos da selecção de parentesco e selecção de grupo. Neste sentido, o ensaio contrasta bem com um relato por ventura mais optimista da evolução da psicologia normativa humana apresentado no ensaio de João Pinheiro, que introduziremos mais abaixo.<br>O artigo de Anuska I. de Alencar & Wallisen T. Hattori leva-nos a pensar nos «Fatores que interferem na cooperação de crianças em jogos dos bens públicos». Eles adoptam, pois, uma abordagem característica da psicologia evolutiva, adjuvada pelas metodologias clássicas da teoria dos jogos, para pensar a resposta à pergunta «Crianças, quando devemos cooperar?». Desde a sua incepção, que os modelos formais da teoria dos jogos têm contribuído para a nossa compreensão da evolução do comportamento social, e em particular das condições de possibilidade da cooperação e da coordenação. Todavia, o poder explicativo destes modelos matemáticos, ainda que por vezes analíticos, não se deixa antever na ausência de experimentos sociais que testem as suas previsões. Assim, Alencar & Hattori conduzem-nos por uma revisão da literatura acerca do desenvolvimento das nossas capacidades de raciocínio afins às previsões dos modelos. Eles focam-se em particular no chamado “Jogo dos bens públicos” e apresentam-nos alguns resultados de experimentos sociais com o fito de testar condições de controlo e, consequentemente, a robustez das previsões do modelo. Eles testam condições como o tamanho dos grupos, a presença ou ausência de monitoramento, feedback verbal, classe socioeconómica, entre outros, frequentemente identificados na literatura como relevantes para a evolução e estabilidade da cooperação. Os autores aproximam-nos assim de um melhor entendimento do desenvolvimento psicológico da nossa psicologia pró-social e de quanto é que ela se assemelha ou distingue dos modelos ideias da teoria de jogos, tipicamente tidos como racionais de acordo com a teoria da escolha.<br>Já João Pinheiro dá conta de desenvolvimentos recentes das ciências evolutivas aplicados ao estudo da natureza humana a par de debates vigentes na filosofia moral e política, deixando claro que há muito para ganhar com a sua reconexão. Pinheiro primeiramente introduz as recentes críticas “evo-conservadoras” ao projecto moral e político cosmopolita e, num segundo momento, apresenta-nos «Uma Reavaliação do Evo-conservadorismo à Luz da Hipótese da Interdependência». Conforme argumenta, a teoria evo-conservadora, na sua versão mais forte, é inadequada à evidência, e a única hipótese plausível disponível na actualidade para dar conta das inadequações da teoria é a chamada “hipótese da interdependência”, que tem sido desenvolvida no seio de diferentes áreas disciplinares, de que são exemplo a Antropologia Evolutiva, a Psicologia Evolutiva, e a Teoria da Evolução Cultural. Todavia, uma vez pesada a hipótese da interdependência, a crítica evo-conservadora perde a sua pujança, e no decurso desta exploração revelam-se algumas condições positivamente correlacionadas com a estabilidade de instituições cosmopolitas, que serão de sumo interesse para a realização do projecto cosmopolita.<br>O artigo de Fábio Portela discorre acerca da hipótese d’«O direito como adaptação evolutiva», avaliando-a tendo por base a caracterização específica desta hipótese conforme apresentada em detalhe no trabalho de Geoffrey Hodgson e Thorbjørn Knudsen. De acordo com Hodgson e Knudsen, a emergência do direito pode ser pensada à luz da figura teórica de uma “transição evolutiva”, conforme primeiramente teorizada por John Maynard Smith e Eörs Szathmáry e desenvolvida mais tarde por outros teóricos. O direito judicial é assim apresentado como uma transição informacional com o cariz específico de ter firmado normas por intermédio de mecanismos formais e instituições materiais. Portela oferece-nos «uma análise crítica a Hodgson & Knudsen», entendendo que estes estão comprometidos com um conceito inadequado de direito. No decorrer da sua análise crítica, Portela oferece-nos também algumas reflexões acerca do papel do direito na evolução de hierarquias sociais e, enquanto tal, na evolução de sociedades ditas complexas, como as contemporâneas, que apresentam inúmeros estratos sociais.<br>No seu artigo, «Uma análise do senso de simpatia darwinista durante a pandemia covid-19 à luz da teoria da evolução cultural», Deivide Garcia revisita a teoria da evolução biocultural de Darwin, demonstrando que, apesar de 150 anos de avanços científicos, ela continua relevante para a nossa compreensão de fenómenos mundanos. Em particular, Garcia sugere aplicar a teoria darwiniana da moral de modo a estender a nossa compreensão e análise de casos reais e ideais, focando-se para isso no estudo do impacto da pandemia COVID-19 no Brasil e em modelos de transmissão epidemiológicos. Conforme elucida, à luz da teoria de Darwin, não é de surpreender que num contexto de pandemia surjam inúmeros conflictos morais profundos entre subgrupos da população, o que, à luz da psiquiatria contemporânea, sabe-se contribuir para a deterioração da saúde mental.<br>Finalmente, o artigo de Thales M.M. Silva e coautores encerra o nosso volume com uma contribuição presentemente menos ortodoxa no que toca a abordagem que adopta ao estudo dos temas da evolução biocultural. Em particular, demonstra uma abordagem ao estudo da evolução biocultural não-estritamente darwiniana. Ao invés, Silva e colaboradores fazem um enquadramento de fenómenos sociais e culturais no seio da teoria da “inferência activa”, que concebe os organismos como modelos de minimização dos erros de predição. Em anos recentes, este enquadramento teórico tem-se tornado muito popular no estudo de uma miríade de fenómenos biológicos, especialmente cognitivos e comportamentais, que mais directamente se deixam compreender enquanto antecipatórios, mas a sua aplicação aos temas da evolução biocultural é território sumamente aberto e inexplorado. O ensaio vigente apresenta-nos um modelo conceptual do fenómeno da “ritualização de grupos” que caracteriza várias religiões (e não só). Noutras palavras, ele enquadra o estudo da ritualização de grupos no contexto da inferência activa, preparando, enquanto tal, tanto uma análise formal propriamente dita (que recorreria então à mecânica estatística da termodinâmica e à mecânica bayesiana, afins aos modelos clássicos de minimização dos erros de predição, de que é exemplo o trabalho de Karl J. Friston), como o estudo empírico pelas neurociências. Não obstante a ausência da evidência que poderia substanciar predições específicas emergentes deste enquadramento teórico, os autores fazem sobressair várias razões para ponderarmos seriamente este modelo conceptual.<br>Esperamos, pois, que a diversidade disciplinar, temática, e metodológica destas diferentes contribuições elucide a riqueza da evolução biocultural enquanto uma área de estudo que, apesar de prolífica, tem ainda baixa representação no panorama académico lusófono. Esperamos, também, que a presente colectânea estabeleça uma nova tradição no sentido de corrigir esta lacuna.</p> <p><br>João Pinheiro<br>Assistente de Investigação Especial<br>Instituto da Filosofia da Academia das Ciências Chinesa<br>Editor Convidado</p>2025-11-07T11:20:39+00:00Copyright (c) 2025 Nilo César Batista Silva//periodicos.ufca.edu.br/ojs/index.php/araripe/article/view/1437Sumário2025-11-07T17:32:49+00:00Nilo César Batista Silvanilo.silva@ufca.edu.br<p><strong>EDITORIAL</strong></p> <p>João Pinheiro - Instituto de Filosofia da Academia das Ciências Chinesa</p> <p><strong>INTRODUÇÃO AO DOSSIÊ EVOLUÇÃO BIOCULTURAL</strong></p> <p>João Pinheiro - Instituto de Filosofia da Academia das Ciências Chinesa</p> <p><strong>ARTIGOS</strong></p> <p>ALÉM DA BIOLOGIA: TEORIA EVOLUTIVA APLICADA À ARQUEOLOGIA E ESTUDOS DE CULTURA MATERIAL</p> <p><em>Mercedes Okumura – Universidade de São Paulo</em></p> <p><em>Astolfo G. M. Araujo – Universidade de São Paulo</em></p> <p>A QUE CORRESPONDE, PROCESSUAL E EVOLUTIVAMENTE, A ÉTICA?</p> <p><em>Rodrigo de Sá Nogueira Saraiva – Universidade de Lisboa</em></p> <p>CRIANÇAS, QUANDO DEVEMOS COOPERAR? FATORES QUE INTERFEREM NA COOPERAÇÃO DE CRIANÇAS EM JOGOS DOS BENS PÚBLICOS</p> <p><em>Anuska Irene de Alencar – Universidade de Lisboa</em></p> <p><em>Wallisen Tadashi Hattori – Universidade Federal de Uberlândia</em></p> <p>UMA REAVALIAÇÃO DO EVO-CONSERVADORISMO À LUZ DA HIPÓTESE DA INTERDEPENDÊNCIA</p> <p><em>João Pinheiro - Instituto de Filosofia da Academia das Ciências Chinesa</em></p> <p>O DIREITO COMO ADAPTAÇÃO EVOLUTIVA: UMA ANÁLISE CRÍTICA A HODGSON & KNUDSEN</p> <p><em>Fábio Portela – Universidade de Brasilia</em></p> <p>UMA ANÁLISE DO SENSO DE SIMPATIA DARWINISTA DURANTE A PANDEMIA COVID-19 À LUZ DA TEORIA DA EVOLUÇÃO CULTURAL</p> <p><em>Deivide Garcia da Silva Oliveira – Professor Associado da Universidade Federal de Sergipe (UFS)</em></p> <p>DA HABITUAÇÃO INDIVIDUAL À CONSTRUÇÃO DE NICHOS POR MEIO DA RITUALIZAÇÃO DE GRUPOS: UMA DESCRIÇÃO PARTINDO DA MINIMIZAÇÃO DOS ERROS DE PREDIÇÃO</p> <p><em>Thales M. M. Silva – Universidade de São Paulo</em></p> <p><em>José Carlos C. de Sant’Anna – Pesquisador Independente</em></p> <p><em>Maria Luiza I. de Vasconcelos – Universidade de São Paulo</em></p> <p><em>Lucas S. dos Santos – Universidade Federal de Juiz de Fora/ Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro</em></p> <p><em>Matheus F.F. Ribeiro – Universidade de Uberaba</em></p> <p><em>Renato Matoso – Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro</em></p>2025-11-07T11:31:03+00:00Copyright (c) 2025 Nilo César Batista Silva//periodicos.ufca.edu.br/ojs/index.php/araripe/article/view/1442Além da Biologia: Teoria Evolutiva aplicada à Arqueologia e estudos de Cultura Material2025-11-07T17:32:52+00:00Mercedes Okumuraokumuram@usp.brAstolfo G. M. Araujoastwolfo@usp.br<p>Desde sua proposição por Darwin e Wallace, a teoria da evolução biológica através da seleção natural e seus desdobramentos (incluindo o neo-Darwinismo e a teoria sintética da evolução) têm sido aplicados em muitas áreas além das ciências biológicas, incluindo os estudos culturais. Dentro dessa área, a Arqueologia se destaca como a disciplina que estuda o registro de longo prazo da cultura material humana e, portanto, apresenta oportunidade ideal para entender mudanças culturais ao longo do tempo. Nesse contexto, a abordagem teórica criada pelo arqueólogo estadunidense Robert Dunnell nos anos 1970, chamada de Arqueologia Evolutiva, é uma das mais bem-sucedidas aplicações da Teoria da Evolução fora da Biologia. A essa abordagem, frequentemente junta-se a Teoria de Transmissão Cultural, que transcende o campo da Arqueologia e que tem tido contribuições importantes também da Etologia, Psicologia, entre outras disciplinas. A aplicação conjunta dos pressupostos teóricos da Arqueologia Evolutiva e da Teoria de Transmissão Cultural, aliados a métodos muitas vezes oriundos das Ciências Biológicas, como análises filogenéticas e morfometria geométrica, têm tido êxito em registrar de forma sistemática mudanças (ou a ausência dessas) ao longo do tempo na cultura material de grupos humanos, assim como fornecer explanações acerca desses fenômenos, envolvendo os conceitos de seleção e deriva, bem como retomando ideias que sempre foram caras à Arqueologia, como tradição, inovação e persistência. Além de uma discussão sobre o estado da arte e das potenciais aplicações da Teoria Evolutiva aos estudos de cultura material, apresentaremos um estudo de caso da aplicação conjunta da Arqueologia Evolutiva e da Teoria de Transmissão Cultural a fim de compreender a evolução cultural no leste da América do Sul (Brasil) durante o Holoceno inicial.</p>2025-11-07T14:46:35+00:00Copyright (c) 2025 Mercedes Okumura, Astolfo G. M. Araujo//periodicos.ufca.edu.br/ojs/index.php/araripe/article/view/1439A que corresponde, processual e evolutivamente, a Ética?2025-11-07T17:32:56+00:00Rodrigo de Sá-Nogueira Saraivarodrigo@campus.ul.pt<p>Este artigo procura esclarecer as evolução filogenética da ética, definida como a imposição de um código de conduta a si próprio. Para que tal imposição seja possível tem de haver: a) uma separação entre eu sujeito e eu-objecto, b) a capacidade de ter uma «forma mental» que se impõe à realidade, c) a capacidade de relacionar, mentalmente, pessoas e/ou coisas (anaforia), d) «teoria da mente», para navegar normas sociais e, e) por fim, conformismo. Procura-se, no registo arqueológico dos últimos dois milhões de anos, identificar o aparecimento dessas características. Discute-se, depois, como pode ter ocorrido a passagem de cooperação dentro de grupos familiares para grupos identitários e o papel da religião como aglutinador de identidades grupais. O artigo termina com considerações sobre o tribalismo e as suas consequências.</p>2025-11-07T13:54:54+00:00Copyright (c) 2025 Rodrigo de Sá-Nogueira Saraiva//periodicos.ufca.edu.br/ojs/index.php/araripe/article/view/1443“Crianças, quando devemos cooperar?” Fatores que interferem na cooperação de crianças em jogos dos bens públicos2025-11-21T15:11:13+00:00Anuska Irene de Alencaranuskaalencar@gmail.comWallisen Tadashi Hattoriwthattori@ufu.br<p>Este ensaio apresenta e discute os fatores que influenciam a cooperação em crianças de 5 a 11 anos em jogos de bens públicos (JBP), utilizando uma abordagem experimental baseada na Teoria dos Jogos. Os pesquisadores adaptaram o JBP para crianças, variando condições como tamanho do grupo, feedback, monitoramento, tipo de recurso e classe socioeconômica, para examinar como esses fatores afetam as decisões de doação. Os resultados revelaram que a cooperação infantil é influenciada por múltiplos fatores. Grupos menores e situações de monitoramento aumentaram as doações, sugerindo que a reputação e a avaliação social desempenham um papel crucial. A idade também se mostrou relevante, com crianças mais velhas tendendo a ser menos cooperativas. Além disso, a classe socioeconômica e o tipo de recurso influenciaram as decisões de doação. No entanto, os autores ressaltam a necessidade de cautela ao generalizar os resultados de estudos experimentais para situações naturais, reconhecendo as limitações da metodologia. O estudo destaca a importância da teoria dos jogos como ferramenta para compreender o comportamento cooperativo em crianças, demonstrando que suas decisões estratégicas são sensíveis a diversos fatores contextuais. Os achados também sugerem que a reputação é um mecanismo importante para a manutenção da cooperação, mesmo na infância.</p>2025-11-07T15:06:01+00:00Copyright (c) 2025 Anuska Irene de Alencar, Wallisen Tadashi Hattor//periodicos.ufca.edu.br/ojs/index.php/araripe/article/view/1444Uma reavaliação do Evo-Conservadorismo à Luz da Hipótese da Interdependência2025-11-07T17:33:00+00:00João Pinheirojoaopinheiro@hotmail.com<p>Este ensaio apresenta uma avaliação da crítica evo-conservadora. A versão mais premente da crítica evo-conservadora diz-nos que a evolução humana foi tal que estamos impossibilitados de formar organizações muito inclusivas estáveis ao longo do tempo, de tal forma que estas organizações deveriam ser repudiadas enquanto alternativas viáveis para a realização de ideias e ideais de justiça, de que são exemplo as teorias cosmopolitas da justiça. O ensaio começa por contextualizar historicamente a emergência das críticas evoconservadoras, partindo depois para a identificação da sua versão mais acutilante. Após este primeiro momento, identificam-se várias lacunas nas premissas empíricas dos argumentos evo-conservadores. Brevemente, denota-se que muitas interpretações da evidência poderão estar enviesadas e que de acordo com os próprios pressupostos dos argumentos evoconservadores os fenómenos cosmopolitas vigentes não deveriam ser possíveis. Dadas as possíveis falhas das premissas evo-conservadoras e a necessidade de uma explicação adequada dos fenómenos cosmopolitas vigentes, o ensaio redirecciona o seu foco na procura de uma explicação evolutiva para estes últimos. Tentativamente, sugere-se que talvez possamos encontrar uma explicação para o cosmopolitismo num conjunto de hipóteses acerca da evolução social humana que designamos por “hipótese da interdependência” (em acordo com uma proposta de Tomasello et al. 2012). Esta hipótese diz-nos que a psicologia social humana evoluiu num contexto em que as interacções humanas se vieram deixar caracterizar por interdependência obrigatória. É neste contexto evolutivo que os humanos adquiriram aquilo que poderemos chamar de uma “psicologia de interdependência”, isto é, uma psicologia capaz de avaliar, com alguma fiabilidade, o nosso grau de dependência doutros. É tendo esta hipótese por pano de fundo que podemos depois identificar outras hipóteses, como a do “parentesco” e a do “doce comércio” (entre outras), que discriminam condições específicas nas quais instituições de índole cosmopolita podem ser vantajosas...</p>2025-11-07T15:44:42+00:00Copyright (c) 2025 João Pinheiro//periodicos.ufca.edu.br/ojs/index.php/araripe/article/view/1445Direito como adaptação evolutiva: uma análise crítica a Hodgson & Knudsen2025-11-07T17:33:04+00:00Fábio Portelafabio.portela@gmail.com<p>O presente artigo examina o papel do direito como uma transição evolutiva fundamental na organização das sociedades humanas. Baseando-se nas teorias das grandes transições evolutivas propostas por Maynard Smith e Szathmáry, bem como na abordagem de Hodgson e Knudsen sobre a evolução social, argumenta-se que o direito, mais do que um mero mecanismo regulador, desempenhou um papel estrutural na formação da estratificação social e na estabilização da cooperação. A análise crítica ao modelo de Hodgson e Knudsen sugere que a diferenciação entre direito e costume foi essencial para o surgimento de sociedades complexas, sendo o direito responsável por codificar papéis sociais e garantir a previsibilidade normativa. A partir de uma perspectiva interdisciplinar, que integra direito, biologia evolutiva, sociologia e antropologia, defende-se que o direito operou como uma adaptação societal necessária para a evolução da organização social humana.</p>2025-11-07T15:53:31+00:00Copyright (c) 2025 Fábio Portela//periodicos.ufca.edu.br/ojs/index.php/araripe/article/view/1446Uma análise do senso de simpatia Darwinista durante a Pandemia Covid-19 à Luz da Teoria da Evolução Cultural2025-11-07T17:33:07+00:00Deivide da Silva Oliveiradeividegso@gmail.com<p>Este artigo investiga como mecanismos evolutivos, tais como formulados por Darwin, podem explicar a sobrevivência e cooperação humana e, ademais, podem também explicar a disseminação de comportamentos culturalmente influenciados que resultam em consequências negativas, como doenças mentais, especialmente em sociedades onde o egoísmo é predominante. Assim, nosso objetivo é demonstrar a interação entre a evolução cultural e a seleção natural, de modo que se evidencie que ela impacta não apenas a adaptação biológica, mas também comportamentos sociais, como o altruísmo e o egoísmo. Tais comportamentos são especialmente catalisados e expostos por situações extremas como a pandemia da COVID-19. Para alcançar este objetivo, argumentamos em favor da relação entre seleção natural e valores culturais e morais, como altruísmo e egoísmo, mostrando que sociedades cooperativas tendem a ter vantagens competitivas sobre sociedades egoístas. Concluímos o texto argumentando que a pandemia evidenciou conflitos entre valores sociais e científicos, de modo a afetar a evolução cultural e biológica de uma população. Portanto, em longo prazo, sociedades baseadas no egoísmo, são desvantajosas em termos de adaptação, promovendo graves doenças mentais.</p>2025-11-07T16:04:19+00:00Copyright (c) 2025 Deivide da Silva Oliveira//periodicos.ufca.edu.br/ojs/index.php/araripe/article/view/1447Da habituação individual à construção de nichos por meio da ritualização de grupos: uma descrição partindo da minimização dos erros de predição2025-11-07T17:33:09+00:00Thales M. M. Silva invalido@xxxx.edu.brJosé Carlos C. de Sant’Annainvalido@xxxx.edu.brMaria Luiza I. de Vasconcelosinvalido@xxxx.edu.brLucas S. dos Santosinvalido@xxxx.edu.brMatheus F.F. Ribeiroinvalido@xxxx.edu.brRenato Matosorenatomatoso@gmail.com<p>O presente artigo explora como a Inferência Ativa (IA) e o Processamento Preditivo (PP) vêm sendo utilizados como frameworks para o entendimento da neuro-cognição e do comportamento dentro das ciências cognitivas e evolucionistas da religião (CESR), particularmente no estudo da ritualização humana. Argumenta-se que, enquanto a IA oferece uma perspectiva ampla e unificadora baseada na minimização dos erros de predição, o PP fornece um relato mais específico e focado, o qual vem sendo agenciado em investigações sobre o desenvolvimento de hábitos individuais, sua relação com rituais coletivos e potencial papel na construção de nichos. Aqui, a sugestão seria a de que, ao longo da história, o comportamento ritualizado teria modulado recursos neuro-cognitivos individuais e facilitado o compartilhamento de interpretações intragrupos que, por sua vez, teriam permitido o alinhamento de populações humanas ao longo dos processos evolutivos de alteração de seus ambientes de desenvolvimento. Ao enfocar o estudo dos rituais sob as lentes da IA e do PP, o artigo busca explorar como, a despeito de questionamentos acerca de seu suporte empírico, o uso desses frameworks pelas CESR demonstra seu poder como heurísticas para descobertas nas ciências comportamentais e do cérebro e, em última análise, sua utilidade instrumental em promover investigações transdisciplinares, gerando novos insights e promovendo a<br>reinterpretação de descobertas preexistentes acerca do comportamento humano.</p>2025-11-07T16:16:48+00:00Copyright (c) 2025 Thales M. M. Silva , José Carlos C. de Sant’Anna, Maria Luiza I. de Vasconcelos, Lucas S. dos Santos, Matheus F.F. Ribeiro, Renato Matoso